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Subterfúgio

  • Menos 1
  • May 3, 2020
  • 2 min read

Updated: May 5, 2020

Foi num dilúculo pálido que procurou um subterfúgio para fugir aos adeptos, paulatinamente enfermiços das faculdades cognitivas, que se tornavam temerosamente desequilibradas a favor da instauração do medo pelos modos mais cobardes e vergonhosos. Tornara-se insuportável ser-se Cristo, diluindo-se globalmente em sudários falsificados em série, teomaníacos desleixados, santuários artificiais na transcendência, essência e aspiração.

Agora, lutava por um martírio invertido, queria morrer pelo direito ao esquecimento. Desejou um sacrifício amnésico, que fosse enterrado sem auxílio ou plateia, numa transferência recatada, do estado vital para o anonimato de um relicário suburbano; um cenáculo fúnebre e envidraçado, integralmente desprovido de saudade ou penitência.

Um estalo prazeroso de excelsitude energética, escoltou-o a um cenáculo onde predominava um silêncio acinésico, frígido e cristalino. E foi naquele cenáculo fúnebre e envidraçado que vislumbrou o paraíso: todos as santas abandonadas pelo tempo, arcanjos acrisolados pelo esquecimento; defuntos isodinâmicos à distância.

Nunca teria visto tal placitude em todas as jornadas feitas em vida no tempo em que levitava sobre epifonemas escrupulosos, fenómenos sobre-humanos para flagelar a realidade empírica, resplandecer fortuitamente em direção a um oceano de braços abertos, carentes de orientação e expetativas substanciais.

Então, arrematado pela oportunidade ímpar de desvanecimento, recorrendo a um processo de transfiguração circunspecto, substituindo todos os símbolos e memórias que diziam respeito à sua imagem, transformando-as em amuletos, ornatos e joalharias sacrílegas; condensou o essencial daquilo que tinha sido em vida, camuflado no chorume de um entulho indefeso num rés do chão desabitado. Por lá ficou até que todas as civilizações se dessem por concluídas ou o esquecessem de vez, e pudesse assim, porventura, renascer anónimo, diminuto e indolente para experimentar o mundo com os olhos que sempre quis ter e cujo destino lhes retirou, como se arranca um terço a um cadáver desprovido de resguardo e energias.

O senhor é só mais um de nós.

Santo não identificado, Versículo nulo




Artista: Giuliana Almasio

 
 
 

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